Maria Ezequiel
 

OS  BOMBONS

 
 

Não precisava ler o número gravado no muro. Rosita conheceu o portão verde muito antes de entender de algarismos. Transposto, seguiu pela ruazinha calcetada do jardim e subiu as escadas da mansão da ilustre freguesa de sua mãe.

Ao seu encontro correu o “Lulu” todo agitado, presentindo já as carícias das pequeninas mãos que lhe costumavam afagar o pêlo macio.

A governanta recebeu o vestido cuidadosamente envolvido numa toalha de puro e branco linho, franjada de renda em linha muito fina.

Rosita nesse dia esperou ... esperou ... e estranhou a demora.

Costumava receber rapidamente a devolução da toalha, mais a moeda preta de vinte centavos como gorjeta. Esperava-a ansiosa pois ela iria engrossar o montinho de centavos no velho bule de chá, sem valor e sem uso, mas que guardava no bojo as migalhas dos ricos... ouro dos pobres!

É que, a dona da mansão, porque o vestido e a época lhe lembraram o “reveillon”, tivera um rasgo de generosidade! Procurara entre os livros dos filhos um que estava mais usado, capas gastas e lombada desaparecida, (até ficava mal entre os outros, lustrosos e decorativos!) e mandou-o pela governanta que, comovida com esta acção da sua patroa, (afinal não tinha o coração tão empedernido!), lhe juntou meia dúzia de bombons.

¾ Obrigada, Srª. Iria. Minha mãe lhe agradece quando lá for fazer o pagamento - cinquenta escudos, mais cinquenta centavos dos avios!

¾ Já agradeceste, Rosita, já agradeceste. Vai com Deus e recomenda-me à tua mãe.

¾ Farei presente.

Só o “Lulu”, nesse dia não recebeu mais festinhas no pêlo! Bem correu até ao portão... «Afinal de que me serviu abanar tanto a cauda?! De nada.» E, ganindo com o focinho entre as grades e os olhos tristes, seguia Rosita a correr rua fora, levando numa mão a toalha e o livro, enquanto a outra tapava o bolso da saia... não fosse algum bombom escapar.

«Seis! Seis!», pensava ela . «Chega um para a minha mãe». Que alegria ia no seu coração! Nem se lembrou que desta vez não levava moeda preta para o bule engolir!

Se a Rosita conseguiu colocar os fonemas certos nas palavras gastas do título do livro, lá leria: A Gata Borralheira.

Nesse serão ficou uma bainha por coser! À luz mortiça da lâmpada de 25velas, a mãe teve que ler o livrinho enquanto a pequenada, escutando atenta, se aquecia à roda do borralho...

Finda a leitura, passados os primeiros instantes de tristeza porque o livro só possuía aquela história e, enquanto... o príncipe e a princesa viveram felizes para sempre... houve explosão de alegria. Ali à espera sobre a mesa estavam seis bombons! Os três manos mais novos logo os “descascaram” querendo o pequenino comer com “casca” e tudo!

Quando chegou a vez à mãe, ela sorriu: «Guardamos este e levamo-lo à avó no domingo?» Que «sim», anuiram todos e o bombom ficou a salvo numa caixinha no alto do armário.

Rosita e Helena trocaram um olhar cúmplice envolvendo a mãe... E um pires, companheiro do bule, já desirmanado e órfão de chávenas, com a porcelana eivada de

risquinhos qual pele curtida e enrugada de avô, serviu de salva-de-prata na oferta à mãe de duas metades de dois bombons...

Desculpando-se, com a tristeza que lhe dava não poder abusar do açúcar, a mãe cortou para si metade de cada metade...

Os três mais pequeninos presenciaram, não alcançando a dimensão dos gestos...

Mas mãe e filhas saborearam enternecidas a doçura do amor feito pedacinhos de bombons!

         Que doçura!



Julho   de   2003

Maria Ezequiel

 

   
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